Há vezes em que a providência divina é silenciosa. Nossa atenção é tomada por acontecimentos que parecem nada ter de espirituais ou religiosos. Que tem Deus a ver com uma pandemia, ou com a perda do meu emprego? Não sou eu que, no fim das contas, terei de me cuidar, ou de correr atrás de uma nova forma de sustento? E se eu obtiver algum sucesso, não será graças a mim, e a mais ninguém? Há muito a aprender a respeito da providência silenciosa de Deus no livro de Ester. O que torna esse livro peculiar é o fato de não haver uma menção sequer ao nome de Deus. Muitos judeus já haviam retornado a Judá, enquanto outros permaneceram espalhados no império persa, e ali estabeleceram as suas vidas. Reinava o rei Xerxes, filho de Dario I, o rei que permitiu a reconstrução do templo; e neto de Ciro, o Grande, que permitiu o retorno dos judeus para a sua terra. Jerusalém já estava habitada, o templo já estava de pé, mas as coisas ainda não voltaram ao normal. Aos judeus, nada restava senão seguir em frente com suas vidas.
A história gira em torno do judeu benjamita Mordecai, sua prima Ester e Hamã, um nobre que intenta erradicar os judeus do império. Por conspiração de Hamã, foi instituído um decreto que ordenava a violência contra os judeus (3.1-15). Não havia para onde correr, visto que o império persa abarcava toda a região conhecida. Mas a providência divina pôs Ester diante do rei (2.1-20), de modo que o plano de Hamã foi revelado e a disposição do rei, mudada (7.1-10). Com a possibilidade de se defender e, agora, com a ajuda até mesmo das autoridades (8.1-9.15), Mordecai e Ester enviaram cartas a todos os judeus espalhados pelo império a fim de que comemorassem o festival do Purim (9.20-32). O que torna essa festa notável é o fato de não se tratar de uma festa religiosa. Não foi ordenada por Deus (Ex 23), nem mesmo era um momento de adoração. Era tão somente um dia alegre de celebração, como um aniversário, ou uma comemoração de torcida de um time de futebol.
Há pelo menos três razões para a comemoração. A primeira delas era o desejo de tornar a conhecida a história de pessoas que arriscaram suas vidas para proteger seu povo, e assim inspirar outros a se oporem ao mal. A segunda razão era lembrar as pessoas de que Deus estava cuidando e protegendo seu povo de maneiras que muitas vezes eles não viam ou entendiam, de modo que não percam as esperanças quando os dias parecerem escuros e eles estiverem sendo perseguidos.[1] Ainda um terceiro motivo era a alegria e celebração. Era um momento para as famílias comemorarem. É claro que as coisas ainda não estavam perfeitas. Eles ainda viviam num mundo hostil, e seriam vítimas de outros episódios de perseguição. Eles nem sequer podiam ir regularmente a Jerusalém para celebrar as festas oficiais. Mas ali eles podiam desfrutar de uma pausa da vida comum, que “lhes daria esperança em um mundo hostil”, pois “se Deus pudesse resolver os detalhes de forma soberana para Mordecai e Ester, certamente ele poderia resolver os problemas nas vidas dos judeus”. Os cristãos podem desfrutar de uma pausa assim a cada domingo, que é o shabbat cristão, no qual temos um antegosto do céu em nosso momento de descanso e adoração.[2]
Sem dúvida, Deus estava presente na história de Ester, ainda que de modo silencioso. Tanto nos momentos de perigo ou de angústia, como na celebração, ele nunca deixou de estar presente. Isso também é verdade em sua vida! Se neste ano atípico Deus lhe fez passar por sofrimento e dor, ou se lhe permitiu ter mais tempo com a sua família e repensar suas prioridades, dê graças a Ele e confie em sua providência.
[1] Gary V. Smith, Ezra-Nehemiah & Esther, vol. 5b, Cornerstone Biblical Commentary (Carol Stream, IL: Tyndale House Publishers, Inc., 2010), 285–286.
[2] Ibid.